Monday, September 07, 2015

01 - O Quadro



Se fosse pintora e pensasse em pintar um quadro, tentaria pintar a casa. A dos seus pesadelos, a que mesmo sem querer a assombra, sempre que se esquece de não se permitir lembrar.
Era tão jovem então. Tinha terminado o liceu. Não pensava, como algumas das amigas em ingressar na universidade e tinha o verão à sua frente. Como nos outros anos, iam passá-lo à aldeia, na casa dos avós paternos. Depois, pensaria em arranjar um emprego, talvez como modelo ou hospedeira porque lhe diziam que era bonita e era também o que via na atenção dos homens e lhe dizia o espelho.
Acordavam tarde, iam para a praia no rio, levando sandes. Regressavam para se arranjarem e voltarem a sair, para festas de garagem.
Reencontrou o Pedro, continuando sem gostar dele por o achar convencido, mas gostou que ele a escolhesse. Um pouco mais velho, com carro, combinou ir buscá-la a casa para irem a uma festa longe.
No regresso, em noite de trovoada de verão, o carro avariou.
Estavam perto da casa dos tios dele, meio abandonada desde que há anos o primo desaparecera.
O Pedro desactivou o alarme e entraram. Levou-a para a sala, mas não acendeu as luzes, apenas uma pequena de presença que incidia sobre um quadro em destaque no meio da sala. Ele disse-lhe para olhar para a tela. “Tem um segredo, apenas alguns o conseguem ver, não aparece em fotografias e ninguém descobriu ainda como foi feito, que efeito de luz faz com alguns vejam e outros não, mas não te posso dizer o que é porque se o fizer, já não o conseguirás ver. Olha bem para ele e vê em que grupo estás enquanto vou buscar algo para bebermos.
Olhou com mais atenção Era uma pintura de uma casa, daquela casa em noite de tempestade. Dois raios atravessavam o quadro e caíam sobre a casa. Lá fora um raio iluminou a noite. Ela estava a olhar para a casa, para as janelas escuras e assustou-se. Numa janela do segundo andar pareceu-lhe ver um rosto, um homem que lhe disse "foge".
E ela fugiu.
Começaram então os pesadelos.
Até que uma noite voltou à casa. Entrou por uma janela aberta e dirigiu-se à sala. Levara consigo uma faca e estraçalhou o quadro.
Diagnosticaram-lhe um ataque‑de‑nervos e foi internada.
Soube depois que o primo do Pedro, chorado como morto pelos pais, tinha aparecido.


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