Thursday, December 27, 2007

Chuva

A chuva batia forte contra os vidros da clarabóia e da janela. Escurecera e ninguém se admiraria que a qualquer altura começasse a trovejar.
Em breve iria ter início a terceira e esperava-se que a última sessão do julgamento do homicídio, pelo colectivo. Estava para terminar já na 2ª, mas quando o Juiz que presidia à audiência, finda a prova apresentada, se preparava para dar a palavra para alegações, o defensor oficioso informara que o arguido queria prestar declarações.
No início da audiência exercera o direito de não o fazer. Permanecera em silêncio enquanto as testemunhas primeiro da acusação e depois as abonatórias, tinham desfilado na sala como num filme. Na audiência, familiares e conhecidos forçados ao silêncio não se continham às vezes nas expressões e gestos. Um jornalista do jornal local fizera raras anotações. Tudo parecia pronto para um veredicto já anunciado nos meios de comunicação, e apenas se conjecturava sobre a medida da pena e se haveria depois recurso.
Marcara-se a 3ª sessão para ouvir o arguido e para as alegações. O carro prisional já o trouxera, um pouco atrasado como habitualmente. Tinham-se designado as 9.30 horas para o início da audiência. Às 10.00 ficou tudo finalmente pronto. O arguido foi introduzido na sala. O guarda de pé, encostado à parede, vigiava-o a curta distância. Atrás do arguido, foram entrando e sentando-se os familiares e conhecidos e o jornalista. Um tio do arguido ensaiou uma frase de ânimo, mas um olhar para os pais da vítima fez com que ficasse calado. Os dois advogados em lados opostos também já aguardavam, o defensor mais jovem pensava nas alegações que deveria a seguir proferir. O Advogado dos assistentes, pais da Miriam, exibia um semblante sério. Talvez pensasse também nas suas alegações.
Os três juízes e o Procurador entraram por fim na sala e levantaram-se todos, advogados, arguido e público. O Juiz Presidente disse então em voz alta aos presentes "podem sentar-se". E todos se sentaram a seguir. Por momentos voltou a ouvir-se apenas o barulho da chuva contra os vidros.
"Já está a gravar?" Perguntou o Juiz Presidente à funcionária judicial que em voz baixa respondeu que sim. "Então levante-se o arguido. Sr. José Rocha, disse que pretendia prestar declarações, pois pode falar então".
O arguido levantou-se. Era um homem de cinquenta e cinco anos prematuramente envelhecido. Casara pela primeira vez com a Miriam muito mais jovem do que ele e não tinham tido filhos. Tinham ficado a viver na casa dos seus pais e lá tinham continuado depois destes morrerem, assumindo também o arguido o negócio da mercenaria.
"Senhor doutor". Fez uma pausa e depois continuou. "Eu ouvi o que as testemunha disseram e estão a mentir. Ninguém estava lá, e não me podem ter visto a fazer uma coisa que eu não fiz." Fez de novo uma pausa enquanto engolia em seco. "Eu não matei a minha mulher".
"Mas senhor José não nega que a ameaçou por diversas vezes? Interpelou-o o Juiz Presidente. "É verdade que a ameacei, é verdade que lhe bati algumas vezes, porque ela me enganava, como todos sabem. Mas eu sou um frouxo, carregava esta vergonha, mas continuava com ela. Sempre tive a esperança que se iria arrepender e ...Eu não a matei".

3 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Enganos - vergonha - frouxidão - esperança - ameaças - arrependimento-
de queê? / de quem?

Thursday, December 27, 2007 at 5:49:00 PM GMT  
Blogger ferreira said...

Trata-se de um policial?Está bom.Quero saber como ocorreu o crime.O arguido estará inocente?Só se arranjou testemunhas abonatórias?E as de acusação, quem são?Provou-se algo?Ou aplica-se o 'in dubio'? Espero que continue:)

Thursday, December 27, 2007 at 7:33:00 PM GMT  
Blogger pin gente said...

desculpa não ter procurado a pista... ainda devia estar a dormir em pé!

gostei do conto. leve, fluído, interessante...
fiquei com vontade de saber mais... já fiz filmes (nós as mulheres!!!).
ficarei atenta.
beijos
luísa

Thursday, December 27, 2007 at 11:33:00 PM GMT  

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