Monday, September 07, 2015

05 - O Leilão

O leilão


Foi-se deitar com uma dor esquisita que lhe subia pelo braço. Acordou a sentir-se estranho e saiu sem tomar o pequeno-almoço.
Poucos passos tinha dado quando encontrou o Luís. Já não o via há anos e até tinha pensado se não lhe teria sucedido alguma coisa. Ele veio ter consigo, com todo o à vontade, como se estivessem estado juntos no dia anterior, e anunciou-lhe que estava atrasado para o leilão. Não se lembrava de ter sido convidado, mas seguiu-o obedientemente por ruas estreitas que não conhecia, até um edifício estreito e antigo. Subiram as escadas de degraus de madeira algo inclinados e meio cobertos por uma tapeçaria antiga, em tons de vermelho desbotado. Chegaram a um salão interior sem janelas, com nove ou dez cadeiras, cinco já ocupadas por dois homens e três mulheres de idade, vestidos de escuro. O Luís disse-lhe para se sentar e esperar, e foi o que fez.
Contudo, nem teve tempo para pensar ou observar o que se passava ao seu redor porque por uma outra porta lateral entrou logo o leiloeiro. Era magro e alto, e deu de imediato início aos lances.
Inadvertidamente levou a mão ao rosto para abafar um espirro e apercebeu-se que sem querer tinha licitado uma obra.
Não sabia qual, mas tinha consciência de não ter o valor astronómico para a pagar.
Procurou o Luís quase em pânico.
Queria perguntar-lhe o que fazer para retirar a sua proposta. O seu vizinho do lado apercebeu-se e assumiu a licitação para pagar na íntegra o valor. Quando lhe quis agradecer apercebeu-se que ele lhe era familiar. Lembrava-lhe o seu pai, ou melhor, a si mesmo, só que mais velho.
O seu eu de mais idade virou-se então para ele e disse‑lhe: “Rui, é a tua alma que está em jogo e pela forma como viveres a tua vida é que poderás ou não ter o valor para não a perderes.”
Acordou em sobressalto no seu quarto, ainda com o aperto no peito, rodeado por paramédicos chamados pela mulher.
Confirmou mais tarde que o Luís já tinha morrido há cerca de dez anos, num acidente de viação.
Durante algum tempo pensou se teria tido alguma experiência de pós-morte e se seria um aviso. Teve mais cuidado com a saúde e com a forma como agia com os outros.
Depois voltou a agir como antes e não pensou mais nisso.



1 Comments:

Blogger Pedro M said...

"Depois voltou a agir como antes e não pensou mais nisso."
Presumo que se refira a agir para com os outros.
Gostei muito do conto, mas esta frase final...
Aliás estive a ler vários dos contos e achei muito bem conseguidos.
Vou continuar a lê-los.

Cumprimentos

Tuesday, November 3, 2015 at 2:25:00 PM GMT  

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