Monday, September 07, 2015

07 - A Lição de piano

Era criança, quando o seu pai ganhou num jogo de cartas um piano velho. Eufórico exigiu a entrega do prémio que chegou dias depois quando a alegria do pai tinha começado a esmorecer, especialmente pelo confronto com a sua mãe que não estava de todo contente com a nova aquisição. Teve de entrar pela janela por não caber pela entrada estreita do prédio (felizmente moravam num rés-do-chão), e foi instalado na sala. Arranharam as teclas, detectando as desafinadas, colocaram-lhe naperons e retratos em cima, e foram-se esquecendo dele.
Um belo dia, era já ele adulto e tinham os pais ido de férias para a aldeia, calhou reparar com outros olhos no piano. Imaginou-se a tocar grandes músicas e a ser o centro das atenções em concertos e festas. Decidiu: ia aprender a tocar piano.
Foi até ao Conservatório para se inteirar dos procedimentos. Estavam também de férias, mas havia anúncios de aulas particulares e anotou alguns. Ligou para o primeiro número que era de uma professora. Gostou da voz dela, soou-lhe musical, e marcaram uma aula na casa dela.
Conhecia a rua e chegou bem cedo. Gastou algum tempo no café da esquina até reunir toda a coragem necessária para vencer a sua timidez, e lá foi tocar-lhe à porta. Ela própria veio abrir e não correspondia bem à ideia que tinha feito. Em vez de uma jovem, era uma mulher de trinta anos, muito pintada, com cabelo azul, camisa laranja, saia vermelha e sandálias douradas, e lindíssima Apesar das mãos bonitas, com dedos finos, tinha umas unhas compridas, pintadas de castanho, que lhe lembraram garras.
Conduziu-o a um quarto pequeno onde apenas cabiam o piano, dois bancos e uma pequena estante com livros e partituras musicais. Inquiriu-o sobre os seus conhecimentos que eram muito básicos – na iniciação musical apenas aprendera a ler pautas e a tocar (mal) a flauta de bisel.
Resolveu a professora começar a aula tocando uma música simples, mas o que ouviu foram as suas unhas sobre as teclas como castanholas
Não queria melindrar a professora, nem desistir das aulas.
Pensou e percebeu o que tinha de fazer.
Teve de procurar em várias lojas até conseguir encontrar meias de nylon finíssimas que fez questão de oferecer-lhe e pedir-lhe que as usasse, antes da segunda aula.
No dia marcado, a professora aguardava-o com as suas roupas coloridas, as meias, sem malhas, e as unhas cortadas.



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