Sunday, June 24, 2007

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Vou entrar na água que estará fria, mas com maré baixa, sem ondas altas, irei andando até já não ter pé e deixar-me-ei submergir...

Sunday, June 10, 2007

Viagem de camionete

"Eu sei que ele não me trata bem, mas que quer, é dele que eu gosto."
Não resistiu a olhar para as duas mulheres atrás de si. Seguiam os três naquela camionete desde há vinte minutos ou três paragens. Já lá estavam as duas quando entrara, mas na altura não as vira. Sentara-se mesmo à sua frente. Começara sem querer a escutar o que diziam. Falava sobretudo a mais nova. A outra, já de idade, só de vez em quando tecia alguma pergunta ou comentário: "e ele?", "vê lá a tua vida" e "o destino está traçado". A mais nova falava da sua vida, mas parecia um romance de capa e espada. Vivera com um homem que a maltratava e já a enganara com outras. Entretanto, aparecera um que lhe dava tudo o que ela queria. Pois, mas ela queria o outro. E agora que o outro lhe fizera um sinal, deixava o bonzinho pelo marialva. Quando o mais disfarçadamente que conseguia, olhou para trás, ficou surpreendido. Não era uma rapariga, quando muito uma mulher jovem e não era de todo bonita. Não parecia a heroína da história que contava. Que o marialva a quisesse e entre outras ainda admitia, mas porque raio a quereria o outro? O bonzinho que era trabalhador e lhe dava tudo, aceitava o seu passado e só não queria que ela o deixasse. Se não fosse pela credibilidade conferida pela idade da sua interlocutora, facilmente imaginaria que era uma maluquinha, a inventar que todos os homens a queriam.

Peça de teatro

"Estou exaurida!" Repetiu. Abrira a porta, fechara-a atrás de si, ligara a luz e deixara-se cair na poltrona castanha. No silêncio da sua casa, o som daquela palavra: "exaurida" fizera com que se sentisse a personagem de uma peça. E uma personagem importante. O que é que se seguiria? Sem dúvida, seria alguma dama que entrava em casa, cheia de sacos de compras. Seria prontamente rodeada por uma, não, por duas, criadas de uniforme ou farda, que lhe levariam os sacos. Não estaria sozinha. À sua frente um marido ou uma filha casadoira. Como é que seria a trama? Para já, parecia-lhe uma peça antiga e convencional. Tipo uma comédia de Oscar Wilde. Várias peripécias que levariam o público a rir e um final feliz que deixaria todos bem dispostos.
Ela não trazia sacos. À sua espera não estava ninguém. E sentia-se apenas exausta. O exaurida não lhe pertencia, mas à personagem da peça de teatro.